Extinção e sucessão empresarial da empresa devedora pode configurar fraude à execução
- Henrique Cardoso
- 17 de set. de 2022
- 4 min de leitura
Atualmente, tanto as leis quanto o próprio Judiciário inovam em busca de garantir o fiel e efetivo cumprimento das decisões judiciais, proferidas no âmbito dos processos de execução, que dispõe de ferramentas práticas e aptas a garantir a devida satisfação do crédito, como o sistema SISBAJUD, RENAJUD e INFOJUD. Trata-se de sistemas eletrônicos que realizam buscas de bens e valores em nome do Devedor, viabilizando a realização de atos expropriatórios como a adjudicação de bens penhorados.
Apesar da inovação legal e judicial, grande parte dos devedores de má-fé já estão cientes dos sistemas judiciais tradicionais utilizados para encontrar e bloquear os seus bens. Por conta disso, assim como o Judiciário, inovam mediante a prática de meios ardis para ocultar bens e valores que seriam aptos a garantir a execução, atitude que lesiona o direito do credor que almeja receber o seu crédito enquanto atenta contra a dignidade da justiça. Perante tal situação, é que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 16/08/2022, lançou o Sistema Nacional de Investigação Patrimonial e Recuperação de Ativos (Sniper), ferramenta que irá permitir a consulta a diversos bancos de dados a fim de identificar ativos pertencentes a pessoas físicas e jurídicas.
Em se tratando das pessoas jurídicas, há um número crescente de fraude a execução cometidas por elas, pois, ao integrarem o polo passivo de um processo de execução, na figura de devedora, acabam sendo extintas por seus titulares, na maioria das vezes, na tentativa de burlar o processo de execução mediante a fraude decorrente da sucessão empresarial, que ocorre quando uma nova empresa é constituída no intuito de permitir a continuidade de suas atividades econômicas, deixando de lado as dívidas e obrigações contraídas perante a empresa extinta.
Assumir tal postura ardilosa para se esquivar das dívidas e obrigações contraídas anteriormente pode trazer sérios problemas tanto para a nova empresa constituída, que poderá ter os seus bens e faturamento penhorados, quanto para os seus titulares, que poderão responder criminalmente, pois, nos termos do artigo 179 do Código Penal, aquele que fraudar a execução, alienando, desviando, destruindo ou danificando bens, ou simulando dívidas poderá ser condenado a pena de detenção de seis meses a dois anos, ou multa.
Considerando que a extinção e sucessão de empresas devedoras no processo de execução tem se tornado frequente, os tribunais passaram a reconhecer que a empresa sucessora que dispõe do mesmo objeto social, endereço e que explora a mesma atividade econômica explorada pela empresa sucedida, poderá assumir, no processo de execução, o lugar da empresa que foi extinta, em razão da fraude decorrente da sucessão empresarial, confira-se:
PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. SUCESSÃO IRREGULAR DE EMPRESAS. AUSÊNCIA. DEMONSTRAÇÃO. REQUISITOS CARACTERIZADORES. DECISÃO MANTIDA. 1. Segundo entendimento jurisprudencial, presume-se a sucessão empresarial quando a sucessora, tendo o mesmo objeto social e endereço, prossegue explorando idêntica atividade econômica da empresa sucedida. [...] (Acórdão 1600386, 07007274320228079000, Relator: FÁTIMA RAFAEL, 3ª Turma Cível, data de julgamento: 28/7/2022, publicado no DJE: 23/8/2022. Pág.: Sem Página Cadastrada.)
Segue o mesmo raciocínio o entendimento de Arnoldo Rizzardo:
“Se as circunstâncias dos autos indicam que a Executada foi sucedida por outra empresa, que teve o mesmo objetivo social, funciona no mesmo endereço comercial e utiliza das mesmas instalações e mercadorias da devedora originária, a empresa sucessora torna-se responsável pelas dívidas que a sucedida contraiu no exercício de suas atividades. Evidenciado o abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade e fraude contra credores, as obrigações da empresa sucedida devem ser estendidas à sucessora.” (Direito de Empresa, 2ª ed., Forense, 2007, p. 1112, o destaque não consta do original).
Assim, por se tratar de uma evidente situação de desvio de finalidade e fraude, o juiz pode, a requerimento da parte ou Ministério Público, determinar a desconsideração da personalidade jurídica da empresa sucessora, de modo a alcançar o patrimônio social dos seus titulares, até que haja o integral cumprimento de suas obrigações, sendo possível ainda, o reconhecimento da ocorrência da sucessão processual dos sócios em relação ao acervo patrimonial da entidade que foi encerrada, situação em que os sócios deverão arcar com as dívidas da empresa que foi extinta.
A título te exemplo, temos o caso onde uma marcenaria, fornecedora de materiais, requereu que a cobrança da dívida constituída por uma empresa de empreendimento imobiliários extinta, fosse redirecionada aos seus sócios. Em março de 2020, a 33ª Câmara de Direito Privado do TJSP, aceitou o referido pedido. Em seu voto, o Relator e Desembargador Luiz Eurico, afirmou que “dissolvida a empresa executada, considera-se que houve a extinção da pessoa jurídica devedora, autorizando-se, assim, reconhecer a ocorrência da sucessão processual dos sócios em relação ao acervo patrimonial da entidade encerrada, conforme dispõe os artigos 110 e 779, II, do Código de Processo Civil”.
Portanto, em se tratando de empresa que figure como devedora em algum processo de execução, cabe ao seu titular ter a devida cautela perante a sua extinção, haja vista que a conduta assumida poderá caracterizar o cometimento de fraude. Desta forma, antes de proceder com a extinção da empresa executada, mostra-se prudente a apresentação de bens ou valores, caso existam, que sejam aptos a saldar as obrigações da empresa a ser extinta ou sucedida, evitando possíveis lesões aos seus credores ou prejuízos a dignidade da justiça. Caso contrário, cabe a empresa adotar as medidas corretas e legais para se livrar de obrigações e dívidas a qual não concorde, evitando toda e qualquer postura ardil.
É sempre bom lembrar que empresas que estejam enfrentando crises econômico-financeiras poderão se submeter ao processo de recuperação judicial, possibilitando a renegociação de suas dívidas e a manutenção da atividade econômica, desde que se enquadrem nos requisitos previstos na Lei n.º 11.101/05 (Lei da Recuperação Judicial).
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